O amigo


O amor do amigo é o mais estranho dos amores, entre os amores, é certamente o mais desinteressado, obviamente o mais desapegado, claramente o mais resiliente e subjetivamente o mais belo.

Seu desinteresse mora na espontaneidade, não é premeditado, nasce do corriqueiro, do trivial, da vulgaridade das relações, dá-se na mais pura expressão da vontade. Sua fecundação é livre, não programada, gratuita, por ser grátis é graciosa.

A estrada do amigo é desnecessária, não obrigatória, cheia de saídas, mas tão deliciosa de andar que sem querer nos mantemos nela, como o doce que não conseguimos parar de comer, a dança que nos envolve, a música que nos faz viajar, a leitura que nos faz mergulhar.

Com o amigo, sem perceber nos percebemos, ali, aqui, acolá, sorrindo e sorrindo, do que não tem sentido, do que não é polido, do que não é correto, mas nos dá motivos, pois a relação é sempre gentil e sem pecado.

O amigo abre o cofre sem acionar os nossos alarmes e como o melhor dos ladrões, rouba sorrateiramente nossas defesas e nos convida a dançar a vida, com a segurança daqueles que sonham de portas e janelas abertas.

Mais leve que papel sulfite, suave como o som de um violino. Tão sutil que passa desapercebido, tal qual o contrabaixo da canção, o céu estrelado da metrópole, o pôr do sol da segunda-feira, os quadros da sala de estar, ou o próprio amigo distante.

Mas à semelhança dos exemplos, sua ausência diminui a música, a noite, o dia, a sala ... a vida.

Perder um amigo é acordar antes da hora, é deixar cair o sorvete depois da primeira lambida, é furar o pneu no primeiro KM, é no primeiro minuto da pelada na rua chutar a bola na casa do vizinho que tem a placa “cão bravo” no portão, é acabar a água no meio do banho, é cair a luz aos 25 do segundo tempo, é receber uma ligação no meio da conversa, é chover no meio da tarde de verão, é dormir antes das oito, é ler um texto sem

A vida é bela a ideia é nobre

Silas Lima

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

O circo da superfície

A força que não percebemos.

O Deus do Homem contemporâneo