Animados!

Leonardo Araujo
Ateu

Pessoal, essa semana tá sendo muito corrida por causa da cobertura do PAN, portanto tô sem tempo pra escrever. Fiquem com Zeca Camargo.


Lá pelos idos de 1992, mais perto do final do ano, eu saía do cinema extasiado. Tinha acabado de ver "Aladdin". Sim, o desenho. E mal conseguia disfarçar meu entusiasmo por ter tido a chance de assistir a um trabalho tão sofisticado. Me lembro, meio ainda sob o efeito mirabolante da produção, de me encantar por viver numa época em que uma técnica tão antiga podia oferecer um espetáculo tão inovador, surpreendente e... excitante! Aliás, para traduzir bem meu estado de espírito naquela tarde (era o tempo em que eu ainda conseguia ir ao cinema de tarde...), eu precisaria de mais algumas exclamações. Tipo... !!!!!!!!!!!

Mesmo descontado meu já declarado fascínio por temas orientais, "Aladdin" havia superado todas as minhas expectativas. Não me refiro, claro, à história - talvez uma das mais manjadas daquele repertório que os pais contam para os seus filhos (ou, pelo menos, contavam). Mas à maneira como ela era apresentada, os planos inesperados usados para desenvolver a ação se desenrolava, a riqueza dos detalhes de cada quadro, a interação entre a narrativa e os números musicais (acho que gostei até daquela seqüência no tapete mágico, com a canção que, se não me engano, se chamava "A whole new world" e ganhou um Oscar) - enfim, tudo naquele desenho de longa metragem indicava que estávamos diante de uma nova era na animação.

Daí, meros três anos depois, veio "Toy story"... Quem tem menos de 20 anos talvez tenha assistido a essa produção no cinema - talvez não: é bem provável que uma criança de oito anos tenha não só sido levada ao cinema para ver "Toy story" como também infernizou a vida de algum adulto para ver o mesmo título pela segunda, terceira, quarta, quinta - e sabe-se lá quantas mais - vezes. Mas essas crianças talvez fossem pequenas demais para avaliar o impacto dessa estréia. Alguém se lembra das “polêmicas”? Galões de tinta foram usados para imprimir artigos sobre o futuro da animação. Seria o fim do traço imortalizado pela Disney? Algum dia a computação gráfica iria dominar o mercado? O computador limitava a criação humana? E não vamos esquecer da hipótese mais mirabolante (ou talvez lúcida) de todas: será que um dia ainda vamos precisar de atores?

Bem, você já experimentou rever "Toy story" recentemente? Mesmo que você não tenha sido um dos mais entusiasmados na época em que o DVD ainda era uma novidade a ponto de correr para comprar um só para você, o filme (bem como "Toy story 2") cumpre com louvor o circuito de reprises das TVs abertas e a cabo – quem sabe você não pegou alguma delas? Pergunto porque eu fiz esse teste recentemente e a experiência foi, no mínimo, decepcionante. Uma vez conhecida a história (que, convenhamos, não é das mais inspiradas), as piadas envelhecidas não colaboram para renovar o entusiasmo de quem assiste. E mesmo a animação... para o olhar apurado de quem já passou por "Monstros", "Nemo" e "Shrek" (para citar apenas os mais populares), parece um trabalho de faculdade.

Por isso, fiquei um pouco preocupado quando, há apenas alguns dias, me vi novamente com aquela excitação dos tempos de “Aladdin”. Será que o motivo de um grande entusiasmo (renovado) no gênero, também ficaria ultrapassado? Se você ainda não adivinhou, estou falando de "Ratatouille".

Vai desistir da leitura? Por que eu vou escrever sobre um filme "para crianças"? Ou (motivo ainda mais... sórdido!) por que eu vou escrever de um filme sobre um rato? Em qualquer um dos casos, será um pena, pois, se você ainda não assistiu, esta minha argumentação seria uma boa chance de espantar esses preconceitos.

"Ratatouille" é sobre um rato, sim. Aliás, sobre um rato, não - sobre dezenas, centenas deles. Mas, para efeitos narrativos, a história se concentra principalmente no talento de um deles, Remy, para a cozinha. Com um olfato apuradíssimo, ele descobre que esse seu dom pode ser usado em benefício do paladar - inclusive, e principalmente, o humano (já que seus colegas ratos só se preocupam em saber se a comida está ou não envenenada).

Tranqüilizando mais uma vez você que me lê (e que por ventura não assistiu ainda ao filme): não vou entregar a história. Fiz apenas essa apresentação de Remy, para mostrar que ele não é exatamente um rato... nojento. Chamar de bonitinho seria exagero (se bem que, em uma cena ou outra, ele faz uma carinha que até parece o Gato de Botas escudeiro do Shrek...). Mas ele é bastante tolerável aos olhos, e quase encantador.

Suas aventuras na cozinha daquele que é apresentado como um dos restaurantes mais famosos (ainda que com seu prestígio arranhado) de Paris são espertamente elaboradas para conquistar o público - menos pelo heroísmo (estratégia tão comum nos filmes que querem seduzir ao mesmo tempo crianças e adultos) e mais pela astúcia.

A inocência de Remy nas suas tentativas de melhorar as relações entre roedores e humanos – um ideal romântico demais, e bastante arriscado, como alerta de maneira dramática o rato-pai – são comoventes mas não melosas. E o resultado é que você segura a sua boa vontade até o final. Quando, no clímax da história, o restaurante vai passar por um grande teste diante de um dos críticos gastronômicos mais temidos da França, você não tem outra opção a não ser torcer pelo ratinho.

A preparação desse jantar, já adianto, é uma das seqüências mais engraçadas que já vi numa tela de cinema. E digo isso baseado apenas em 60% ou 70% das suas cenas, uma vez que no restante delas eu ria tanto que mal conseguia abrir os olhos (ainda tenho de voltar para assistir à seqüência toda). Mas, piadas à parte, esse “gran finale” (e o “piccolo finale” que vem em seguida) traz também uma mensagem de escape para qualquer pessoa que já ouviu um "não".

Me lembrei do primeiro “Shrek” – onde a “moral da história” ainda chamava mais atenção do que as incontáveis sátiras à nossa cultura pop. Se, naquele filme, resumindo bem, a mensagem poderia ser traduzida por “é legal ser diferente”, em “Ratatouille” o “conselho subliminar” é: “se você acha que é bom em alguma coisa que todas as outras pessoas insistem em dizer que você não pode fazer... vai em frente e faz!”.

A lição não é muito sutil, mas eu não tenho dúvidas de que funciona com a criançada. Assim como funciona, bem lá no finalzinho, o recado de que às vezes, é mais legal fazer sucesso com um grupo que gosta de você, ainda que pequeno, do que ser “o maior” para um grande público que você nem conhece.

Essa é, claro, uma leitura bem particular do desfecho de “Ratatouille”. Tenho certeza de que você também tem a sua (que você já está convidado a registrar aqui nos comentários). Ninguém sai do filme indiferente... nem que seja pelas incríveis novidades na animação – que, não demora, certamente serão coisa do passado...

(Em tempo: vem aí um filme que, muito provavelmente, vai fazer um enorme sucesso contradizendo tudo que eu acabei de escrever – primeiro porque retoma a velha definição de “desenho animado”, e depois, porque “moral da história” não é o forte dos personagens dessa história. Estou falando, claro, de “Os Simpsons” – que, só de ver o trailer, eu já estou me candidatando a fazer fila para pegar a sessão de estréia. O quê? Ridículo? Olha que eu chamo o Krusty para me defender...)

Por Zeca Camargo

Texto escolhido por Leonardo Araujo

leonardoaraujo@valoresdavida.com

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