Eu li e é bom da semana


Texto ecolhido por Leonardo Araujo

Juízo Final - Por Bruno Medina


Gosto de acreditar que faço parte de uma das últimas gerações em que o videogame ainda não era ameaça significativa à hegemonia dos brinquedos. Da minha infância em diante, o que se viu foi a diminuição gradual no tamanho das seções destinadas a vendê-los em lojas de departamento, até que estas passassem a oferecer bonecas, carrinhos, jogos eletrônicos e microcomputadores como se todos fizessem parte da mesma categoria. Isso sem falar nas bonecas e carrinhos que são microcomputadores.

Deve ser um tanto difícil para um adolescente de hoje imaginar a vida sem mp3, celular ou internet, mas o tio aqui garante que o mundo do disco de vinil, da ficha de orelhão e da máquina de escrever dava certo, ah, como dava... Não se trata de saudosismo barato, mas sim de uma inquestionável constatação: a informática - mesmo que em sua forma elementar - passou a ser pré-requisito básico para a vida a partir do século XXI.

Veja o exemplo das urnas utilizadas nos pleitos brasileiros; do Oiapoque ao Chuí, todas digitais, ou pense então nos inúmeros serviços públicos prestados a população sem que haja a necessidade de trocar palavras com um funcionário mal-humorado. Mesmo os mais relutantes tiveram de se render aos adventos tecnológicos, sob o risco de, em poucos anos, precisarem de ajuda para realizar tarefas banais.

Sempre pude me orgulhar de ser referência na família e entre os amigos quando o assunto envolvia qualquer coisa digital. Ganhei meu primeiro computador em 1989, naquela época os programas precisavam ser carregados toda vez que seriam usá-los. Pegava-se um disquete, daqueles grandões ou uma fita-cassete (desculpe, não dá prá explicar isso para quem tem menos de vinte e cinco anos) e copiava-se os dados para a memória (curtíssima) da máquina. Depois de desligada, zerava, ou seja, era necessário repetir o processo todos os dias. Então, quando um programa era iniciado, o recomendado era estar bem certo de suas intenções, até porque qualquer mudança de planos acarretava uma enorme perda de tempo.

Dessa época pra cá quase tudo se transformou, menos a minha aptidão para lidar com sistemas binários, pelo menos era o que eu achava até ontem. Amigos, não sou mais referência nesta área. Perdi o bonde do progresso, me tornei obsoleto, fui superado, sou mais uma vítima da exclusão digital. E o meu algoz, acreditem, foi o Internet Banking!

Já repararam que cada vez mais os sistemas de segurança bancários incrementam em complexidade? “Digite as letras correspondentes aos números de sua senha”, “digite o código de confirmação que você vê na tela”, “se você vê o selo digital referente a sua conta, clique ok”, “escolha uma senha provisória de oito números e letras para autorizar o envio de uma senha definitiva para o seu endereço”.

Será que é possível sacar quarenta reais sem ter a sensação de se estar passando por um exame psicotécnico ou acessando informações sigilosas da KGB? Foi no meio de um processo desses que digitei os números errados e bloqueei minha senha. No dia seguinte precisei ir até o caixa eletrônico de uma agência para resolver a questão e naquela de “digite aqui sua senha antiga e aqui sua senha nova”, acho que me confundi com uma outra senha qualquer (são tantas!) e bloqueei também meu cartão.

Por conta disso, só me restava procurar um funcionário de carne-e-osso da agência. Humilhado pela idiotice, ainda fui obrigado a sentar naquela poltroninha e esperar os que estava na minha frente resolverem suas pendências bancárias e baterem aquele já tradicional “papinho extra” com a gerente. Durante quarenta minutos lamentei o erro capital enquanto aguardava o atendimento. Chegada minha vez, a surpresa: “ih, seu cartão é múltiplo, só na boca do caixa”. Olhei para a fila, enorme, acho que era dia de pagamento, e entendi tudo: a agência bancária é o purgatório e as filas são a punição do sistema para os imperitos ou incapacitados.

Então a situação é a seguinte: estou impedido de realizar qualquer movimentação bancária até que resolva encarar a fila do caixa. Para quem se gabava de fazer tudo pela internet, nunca pisava numa agência de banco e se sentia o arauto da tecnologia, foi um duro golpe. Aceito meu castigo e não pretendo adiar a pena. Vou escrever a nova senha num pedaço de papel, para não confundir, tal como fazem as vovós apesar dos alertas sobre o perigo de serem assaltadas, e hoje mesmo estarei na fila, ouvindo as inevitáveis histórias daqueles que, como eu, estão condenados.

p.s: acabaram de ligar do banco. Esqueci minha identidade na mesa da gerente...

valoresdavida@valoresdavida.com

Comentários

Anônimo disse…
muito loko camarada.

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