RELIGIÃO - A ANTÍTESE DA CIÊNCIA

Texto escolhido por Leonardo Araujo

de Peter Atkins

Muitos consideram que o conflito entre religião e ciência é uma fase temporária, e no devido tempo os dois poderosos rios da compreensão humana irão se unir e formar um Amazonas ainda mais poderoso de compreensão. Eu tenho uma visão oposta, que essa reconciliação é impossível. Eu considero que a Ciência é mais poderosa que a Palavra, e que o rio da religião irá (ou, pelo menos, deveria) atrofiar e morrer.

A base de minha crença que essa reconciliação é impossível, é que as técnicas e critérios da religião e da ciência são extraordinariamente diferentes. A ciência busca simplicidade publicamente e encoraja a derrubada de autoridade; religião aceita complexidade privadamente e encoraja a defesa de autoridade.

Existem, claro, muitos que consideram o conceito de deus como uma explicação excessivamente simples de tudo, e que consideram as elucidações científicas como algo, ou incompleto, ou pesado. De qualquer modo, isso é uma auto-ilusão. Tais visões são geralmente sustentadas por pessoas que não entendem o método científico. De fato, acreditar na afirmação de que deus é uma explicação (de qualquer coisa, deixe de lado o "de tudo") é algo intelectualmente desprezível, pela quantidade de admissões de ignorâncias empacotadas na pretensão de uma explicação. Afirmar que "deus fez isso" é pior que uma admissão de ignorância, isso deveria pôr uma mortalha sobre a ignorância no engano.

Nós cientistas sabemos que é imensamente difícil traçar à fundo, idéias simples da ciência para fora no mundo dos fenômenos. Essa ignorância dos procedimentos científicos, ou simplesmente antagonismo em relação a eles, freqüentemente é confundida com impotência. Os cientistas sabem que a complexidade do mundo é o resultado de um imenso número de eventos simples algumas vezes conflitantes.

O mecanismo bioquímico dos organismos é um exemplo de como os princípios funcionando são bem conhecidos, e se não bem conhecidos, determináveis e expressíveis em princípio em termos de processos (para nós químicos) familiares. Isso é certamente correto sobre o processo fisiológico que nos sustenta, e somente o maior dos pessimistas não iria estender essa visão até o funcionamento de nossos cérebros. Porém nós também sabemos que até o mais simples organismo é tão extraordinariamente complicado que desemaranhar sua bioquímica é imensamente difícil.

Mas essa dificuldade não é uma derrota. Nem pode ser considerada uma falha a nossa inabilidade em prever como uma série de processos bioquímicos por si só seria suficiente para explicar a criação da vida, esqueça a idéia de que tentar fazer um organismo novo, seja interpretado como falha. De fato, isso deveria ser uma fonte de orgulho no poder do intelecto humano que já foi tão longe entendendo isso em tão pouco tempo. O desafio de elucidar os processos da vida - incluindo consciência e toda sua bagagem que nós embrulhamos como "o espírito humano" - é o único exemplo de um desafio onde o trabalho duro compensa e a ciência não precisa aceitar as falsas explicações mascateadas pelas religiões. Existem outros problemas, talvez mais desafiadores, incluindo a origem de tudo.

Em nenhum caso, no entanto, há qualquer indicação que a ciência está trabalhando para acabar sendo parada por uma barreira até explicações futuras. Não existe certamente nenhuma justificativa para afirmar que os poderes da ciência estão circunscritos e que além da fronteira o único recurso para compreensão é deus.

Muitos irão aceitar que a ciência pode de fato comunicar todas essas promessas, mas irão manter, contudo, que isso proporciona um relato incompleto da dimensão inteira de ser humano. Para eles, o impiedoso olhar fixo da ciência é caolho. Para eles, existem aspectos do mundo que a ciência, com sua confiança no exame de evidências do público e a afixação de números para os eventos, não pode nunca tocar. Eles apontam para a alegria, a miséria, a apreciação estética, o amor, a morte, e acima de tudo o senso de propósito cósmico, e sentem-se confiantes que esses aspectos espirituais que transcendem os físicos irão para sempre se encontrar além do alcance da ciência.

Eu discordo dessa visão pessimista. Eu considero que existem dois tipos de questões espirituais. Uma diz respeito a tópicos como a alegria, relativo à estados físicos do cérebro em conjunção com uma variedade de estados fisiológicos do corpo, não obstante de nosso sistema endócrino. Eu não vejo razão nenhuma para olhar esses estados como fora dos limites do discurso científico.

Alguns irão olhar a analise científica de tais tópicos, que inclui tanto a bestialidade como também o amor, a criatividade e a credulidade (tal como muitas vezes resultado de crenças religiosas), como uma erosão do prazer. Eu acho que o oposto é verdadeiro: enquanto a compreensão científica aprofunda nosso prazer, ela não importuna os atos de prazer. Que nós podemos entender a paixão, que nós podemos entender a iniqüidade, e que nós podemos procurar tateando por uma compreensão do que significa ser humano, que nós podemos olhar para dentro de nós com uma visão não enevoada pelo misticismo, parece para mim adicionar para nossa admiração desse maravilhoso, porém explicável, mundo.

Então existe um segundo grupo de questões profundas que muitos iriam desejar proteger da luz da ciência. Essas questões são as mais cósmicas dessas amadas pela religião, incluindo o propósito de nossa existência, a função do mal, o livre arbítrio e a prospeção de vida eterna.

Eu acredito que tais questões foram inventadas, e não representam problemas realmente desafiadores para nós resolvermos. Seria de fato fascinante se o universo tivesse um propósito; seria provavelmente prazeroso haver vida após a morte. Porém, não há um só pedacinho de evidência em favor de nenhuma das duas especulações. Como é fácil de compreender porque as pessoas anseiam por um propósito cósmico e vida eterna, e não existe evidência para ambos, me parece uma conclusão inescapável que nenhum dos dois existe. Tudo que existe para a ciência explicar sobre esses problemas é a psicologia dos cérebros que os mantém como fatos.

Minha conclusão é severa e descompromissada. Religião é a antítese da ciência; a ciência é competente para iluminar todas as questões profundas da existência, e faz isso de uma maneira que faz uso total e respeitoso do intelecto humano. Eu não vejo nenhuma necessidade ou sinal de qualquer reconciliação futura.



Texto escolhido por Leonardo Araujo

valoresdavida@valoresdavida.com

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